Se a justiça é cega, o símbolo do Judiciário brasileiro poderia ser uma
tartaruga de óculos escuros. Na praia, talvez. Dizer que a Justiça do
país é lenta, muito lenta, já se tornou uma ladainha.
Pois bem. O presidente eleito do STF, ministro Cezar Peluso, disse à
Folha de S. Paulo que não vai se desgastar na defesa dos atuais 60 dias
de férias para os juízes quando enviar a Lei Orgânica da Magistratura ao
Congresso. Parece muito razoável.
Foi o que bastou para que entidades de classe se apressassem na defesa
do privilégio. Três delas (AMB, Anamatra e Ajufe) emitiram logo uma nota
a favor da sinecura. O argumento é sempre o mesmo: todos devem entender
que o juiz trabalha com questões complexas, que leva trabalho para casa
e que sacrifica férias e finais de semana.
Ora, ninguém ignora que a atividade do juiz envolve grandes responsabilidades. Mas, meritíssimos: chega de tanta hipocrisia.
Se a lei mudar, o Judiciário terá condições de produzir mais 2 milhões
de decisões por ano. Em Portugal, onde, há dois anos, as férias foram
reduzidas de 60 para 30 dias, já se verificou um aumento de 9% na
produtividade. São argumentos do artigo que o diretor da escola de
Direito da FGV-RJ, Joaquim Falcão.
Segundo ele, somando-se as férias aos feriados e recessos do Judiciário,
um magistrado trabalha em média cerca de 20% menos que um servidor
público do Estado e 30% menos que um trabalhador com carteira assinada.
Faz sentido?
Enquanto isso (ou também por isso), mais de 50% das reclamações que
chegam ao Conselho Nacional de Justiça são relativas à lentidão. A
estatística mais recente disponível, de 2008, mostra que 60% dos
processos ficam parados por pelo menos um ano, considerando todas as
instâncias.
Com férias de 30 dias, o problema não será resolvido, é claro. Há
demandas demais e juízes de menos no país. Mas se dará um passo
importante na direção certa contra uma regalia indecente.Por Fernando de
Barros e Silva, jornalista